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Sumário


Prefácio

Apresentação

Uma Trajetória de Vida

Infância e Adolescência

A Morte de Meu Pai

O Desmaio e o Cavalo

Entre a Vida e a Morte

Minha Família

A Estrada de Rodagem da Capital...

As Pedreiras e o Arrendamento

Um Fato Marcante

Um Contrato de Risco

Não Sabia Dirigir Direito

O Imposto de Renda e o Sabido

O Primeiro Trator

O Desaparecimento de Zequinha

Decepção com a Política

Ascensão Empresarial

Minha Grande Vitória

Reflexão e Duvida


Prefácio

Discernir sobre a grande figura humana de Manoel do Nascimento de Azevedo, nosso estimado Nozinho, é uma tarefa por demais fácil, mas, paradoxalmente, ao mesmo tempo difícil.

Fácil porque ele encarna tudo aquilo que os homens de bem praticam, desde a orientação correta e objetiva para com os filhos, até colocá-los prontos a caminhar com as próprias pernas. Digo, outorgando-lhes um curso superior. Difícil é encontrar adjetivos que possam enquadrá-lo no contexto de sua maneira de agir, calcada sempre na coerência de princípios éticos e de uma conduta exemplar.

Conheci Nozinho pelos idos de 1978, e, durante todo esse tempo, mesmo com uma convivência constante, jamais percebi qualquer deslize seu.

Quando ele traça uma meta, por mais tumultuada que seja, dificilmente se afasta dela.

Como bem disse Valter Lessa na apresentação deste livro, é difícil encontrar o perfil de um homem com uma postura tão marcante como ele, notadamente na conjuntura do mundo de hoje, tão desigual e injustamente dominado pelos poderosos.

As diversas etapas narradas por Nozinho sobre sua vida, agora transformadas em livro, são um exemplo vivo a ser seguido, não apenas pelos seus filhos, mas por todos os jovens das mais diversas condições sociais que buscam sua afirmação como cidadãos.

Em sua trajetória de vida, Nozinho inicia seu depoimento dizendo que ao homem é facultado o direito de viver bem ou mal, dependendo das circunstâncias que lhes sejam oferecidas, sendo necessário, acima de tudo, muita força de vontade. Isso é verdade, ele a tem de sobra.

Prossegue narrando acontecimentos da sua infância e adolescência, com uma memória fantástica, que vai desde os primeiros dias numa escola na roça, passando pela morte do seu pai, Adálio, até as formaturas dos irmãos Maria José e Antônio, pelas quais foi ele o grande  responsável.

Em meio a sua história, dois problemas de saúde quase lhe custaram a vida; o desmaio sobre um cavalo, numa crise de epilepsia, e, tempos depois, o apêndice supurado em Berimbau (Conceição do Jacuípe).

Sua via-crúcis neste segundo episódio, com as precárias condições de uma estrada de barro entre Berimbau (Conceição do Jacuípe) e Salvador, em cima de um caminhão, durante 8:30 hs, com febre alta, delírios e desmaios, até chegar à sala de cirurgia do hospital, lhe impuseram o maior sacrifício de sua vida.

Tudo isso e mais o Imposto de Renda, que arruinou suas economias, tendo que recomeçar da estaca zero.

Mas sua trajetória de vida teve seu curso completamente mudado com o início da pavimentação da estrada ligando Salvador a Feira de Santana, quando passou de um simples homem da roça para a construção rodoviária, num curto espaço de tempo.

Finalmente, Nozinho, com a humildade que lhe é característica, encerra sua narrativa fazendo uma reflexão, melhor dizendo, uma autocrítica, perguntando a si mesmo se valeu a pena tudo o que disse. Valeu, valeu demais.

Está aí escrita uma página na história de um homem que, transpondo todos os caminhos sinuosos na estrada da vida, alcançou seu objetivo.

Tudo isso, utilizando como instrumento de trabalho a coragem, a raça, o amor e muita determinação, não lhe importando-se durante o dia ou tarde da noite, se domingo ou feriado.  O que tinha em mente era tão somente lutar, lutar com perseverança rumo ao objetivo desejado.

Você é um vencedor nato dos grandes desafios. Sejam quais forem as circunstâncias, está sempre na linha de frente da batalha, defendendo o que é honesto, digno e íntegro. Sua história merece não apenas ser lida, mas exercida plenamente como modelo de vida.

Zoroastro da Costa Almeida*

*Zoroastro da Costa Almeida é engenheiro civil e ex-diretor geral o DERBA – Departamento de Estradas e Rodagem da Bahia

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Apresentação

Tenho um vasto círculo de amigos, amigos simplesmente, bons amigos, amigos leais – e raros amigos-irmãos. Poderia citar até alguns nomes na relação dos últimos, mas correria o risco de cometer alguma injustiça. Prefiro guardá-los no mais absoluto anonimato, tanto os primeiros classificados acima, como os últimos. Em meio a esse universo de amigos há um que sempre me despertou enorme curiosidade.

Ao longo de muitos anos de convivência, tenho procurado identificar um perfil da sua personalidade. Tem um comportamento tímido e discreto em todos os acontecimentos, quer os de caráter formal ou os meramente sociais. É sempre o mesmo, não altera a voz, não critica, não elogia, não faz comentários, sem contudo abdicar ao direito de externar, no momento certo, seu ponto de vista, o que faz com muita personalidade.

Minha curiosidade foi se intensificando a cada novo encontro, pois sempre dava um jeito de ficar ao seu lado, até que, num final de um dos vários almoços com mais outros amigos - uma rotina semanal à qual sempre sou convidado ingerido algumas doses de "semoventes" (alcunha que dou ao uísque), tomei coragem e decidi fazer-lhe uma proposta.

- Por que você não grava ou publica um livro sobre a sua vida?
- E que história é essa de gravar ou publicar um livro?
- É isto mesmo.
- Você deve está brincando, Lessa...
- Não estou brincando, falo sério.

Olha, Lessa, sou uma pessoa normal, vivo do trabalho e não tenho nada diferente dos outros, daí não ver razão para tal.

- Você pensa assim, mas acho que você tem uma bonita história de vida, e bem que poderia ser preservada através de um livro para legado aos filhos e amigos para que, no amanhã, não só seus filhos, mas os filhos dos seus filhos, e assim sucessivamente, possam se espelhar no perfil de um homem que levou toda a vida acreditando e dedicando-a ao trabalho, à honra e dignidade. Vamos fazer o seguinte: nos próximos encontros, você vai me contando tudo de você e vou anotando. Depois lhe mostro o resultado. Você vai perceber o quanto é sublime poder mostrar sem artifícios todos os seus problemas, as vitórias, as derrotas, os risos, as lágrimas, o prazer, o desgosto, a certeza, a dúvida, o avanço, o recuo, a felicidade, a angústia, enfim, tudo na mais absoluta fidelidade.

Nos despedimos mais uma vez, sem que ele concordasse ou não. No encontro seguinte, volto a tocar na mesma tecla. Desta vez, sua reação foi mais serena, porém negativa. De repente, como num toque de mágica, passou a contar coisas da sua infância, e eu discretamente acionei o minigravador. A cada novo contato, gravava mais, até chegarmos a este resultado. O amigo a que me refiro é Manoel do Nascimento de Azevedo, carinhosamente chamado de Nôzinho.

 Valter Lessa

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Uma Trajetória de Vida

O homem nasce, cresce, procria e morre. Isso é o ciclo natural da vida, pelo qual todos, inevitavelmente, terão que passar. Ao homem é facultado o direito de viver bem ou mal, obviamente, dentro das limitações que lhe são oferecidas.

Muitos são os fatores que podem influenciar na sua formação, quer física, moral, intelectual e profissional. Com uma alimentação sadia, escolaridade adequada, boa saúde, exercício pleno de cidadania no próprio lar e, também, no convívio social, inteligência aguçada, força de vontade, interesse e determinação pelos assuntos a que se propõe, são sem dúvidas, um grande passo rumo à um futuro promissor.

O mesmo não se pode dizer daqueles que não tiveram tais privilégios, pois o que se vislumbra é um mundo de trevas, condenados a viver desprezados, na mais torpe marginalidade.

Muitas vezes a estrada a ser percorrida se apresenta com uma série de variantes, indicando vários rumos, e a cruel incerteza de qual será o melhor ou o mais adequado caminho  para se alcançar o objetivo  desejado.

Esta ai aberta a porta para entrar e se alojar a dúvida que maltrata e angustia. Por onde e como haveremos de dar sequência a caminhada? É justamente nesta hora que o homem necessita de equilíbrio e o bom senso para tomar a atitude que lhe pareça correta ou a mais sensata. Mesmo assim, é fator fundamental que ele esteja não apenas identificado do seu propósito, mas, sobretudo, preparado para os eventuais problemas que possam surgir na sua direção, e enfrentá-los com humildade e perseverança, em busca daquilo que planejou.

Com este preâmbulo tentarei mostrar, com incondicional exatidão, através de documentos e o exercício da memória, a minha trajetória de vida ao longo destes 70 anos. E, com todo afeto, dedico o depoimento que se segue a minha mulher, aos meus filhos, aos netos e aos amigos, esperando que todos compreendam que o meu intuito foi tão somente mostrar que o trabalho sério e persistente dignifica o homem.

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Infância e Adolescência

 

Meu registro de nascimento é de 25 de dezembro de 1930, com o nome de Manoel do Nascimento de Azevedo, mais conhecido como Nozinho.

Tive uma infância e adolescência muito dura, dura de verdade. Toda ela foi praticamente ocupada pelo trabalho, que ia das 5 horas da manhã até a noite. Às vezes pensava que não ia agüentar, mas carregava dentro de mim uma vontade louca de vencer na vida, e acredito ter vencido, dentro do possível. Hoje, sou uma pessoa independente, com uma família constituída e, graças a Deus, todos razoavelmente encaminhados na vida, os negócios em ordem, mesmo enfrentando as dificuldades por que ora passamos, diante da política econômica do governo.

Fiquei órfão de pai aos 16 anos e meio. Desde pequeno já trabalhava na agricultura. Meu pai  era um modesto agricultor e, como atividade complementar, tinha um açougue em Berimbau e uma venda na roça. Minha mãe ficava em uma casa cuidando dos seus afazeres.

Fui para a escola primária com mais ou menos sete anos de idade. Essa escola era na própria casa do professor José dos Reis. Meu pai pagava os estudos dos filhos com o nosso próprio trabalho, pois, às 7 horas da manhã, íamos direto trabalhar na roça do professor José dos Reis, até as 10 horas. Só depois é que íamos para a sala de aula, isto é,  das 10 horas até ao meio-dia. A verdade é que o professor tinha poucos conhecimentos e, conseqüente pouca coisa para ensinar. Menino naquela época só ia para a escola com sete anos de idade. Deixei a escola da roca e me botaram numa escola de Berimbau (Conceição do Jacuípe). Já havia crescido, tinha 11 anos e estava no 4º ano, quando a professora disse que a minha caligrafia não estava nada boa e que era voltar no próximo ano e repetir o 4º ano.

A essa altura já estava envergonhado da escola, porque ninguém usava calça comprida, era só calça curta, e eu estava bastante crescido. À tardinha, ainda tinha que prender o gado, a fim de juntar adubo para a lavoura. Com as pernas expostas, ficavam arranhadas pelo mato e feridas. Já estava escabreado, com 12 anos e usando calças curtas e querendo namorar, Era muito difícil, uma verdadeira tortura na minha cabeça. Foi quando eu disse a meu pai que não queria mais voltar para a escola, só me interessava mesmo o meu trabalho na agricultura. Ele me responde: “Se não quiser voltar mais para a escola, é melhor ficar mais tempo na roça me ajudando”. Diante disso, não completei nem o 4º ano primário. Acordava às 5 horas da manhã e meu pai nunca me chamava. Quando ouvia seus passos fortes pelo quarto pois ele usava tamanco, e eu já estava de pé, bem junto dele. Aí, íamos para o curral tirar leite e a luta continuava até o anoitecer. Foi assim até sua morte.

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A Morte de Meu Pai


Quando eu tinha 17 anos incompletos, meu pai faleceu. Ele teve esquistossomose e o médico receitou um remédio muito forte, mas não preveniu sobre o fígado. Com isso, ele se debilitou muito, chegando a um infarto fulminante.

Foi terrível para todos nós, principalmente para mim.

Exatamente a partir daí, assumi a família. Embora Zequinha fosse o mais velho, não gostava da roça, ficava apenas tomando conta de uma bodega que meu pai tinha na fazenda.

Minha atividade era dividida com a roça e também com o açougue que meu pai tinha em Berimbau (Conceição do Jacuípe). Mesmo antes dele falecer eu já tomava conta do açougue, desde o abate no curral até a venda da carne. Papai também ficava No açougue. Minha irmã mais velha, Maria José, e meu irmão estudavam em Salvador, ficando na roça Zequinha, e Izabel.

A professora de Maria José chamava-se Laura Lopes; a de Antônio, Berenice. Foram elas que disseram para minha mãe:
“Não adianta dona Theodolina, Maria José e Antônio são muito inteligentes, vê se faz um sacrifício para eles irem para Salvador fazer o Ginásio”.

Minha mãe foi compreensiva e atendeu suas sugestões. Nessa época, meu pai ainda era vivo.

Após sua morte, mantive meus irmãos estudando em Salvador, conseguindo formar todos os dois. Logo depois, Zequinha não quis mais a bodega; seu sonho era um carro. Arranjei uma pessoa para ensiná-lo a dirigir. Ele conseguiu com meu tio Bacildes um empréstimo e comprou um Chevrolet e passou a trabalhar na estrada, fazendo fretes. Depois vendeu o caminhão, ficando sem o seu meio de ganhar a vida.

Enquanto aguardava a oportunidade de comprar outro carro, Zequinha foi trabalhar como empregado em um caminhão da destilaria Barriguda. Quando a SINTRAL começou a transportar pedras, ele deixou o emprego da destilaria e foi trabalhar nos carros dessa empresa, transportando brita para a estrada. Esse emprego durou mais ou menos um ano, um ano e meio. Ele adquiriu recursos e, com a ajuda do nosso tio Bacildes, comprou um carro novo, um Ford, e foi trabalhar com frete.

O nome da fazenda onde nascemos e nos criamos era Laje. Hoje se chama Monte Alegre.

Havia uma outra denominada Sítio Novo, a 6 quilômetros de Coração de Maria, com 220 tarefas. Quando ele morreu, a fazenda foi dividida entre minha mãe e os cinco filhos; cada um ficou com 44 tarefas, e a minha mãe, com a fazenda Monte Alegre.

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O Desmaio e o Cavalo


É provável que alguém possa duvidar da minha capacidade de trabalho, diante de um problema sério de saúde que me acompanhou por muitos anos, não obstante suas manifestações ocorrerem esporadicamente, e com um agravante: a doença era considerada contagiosa, e todos temiam se aproximar do paciente quando ela aparecia.

O receio chegava a tal ponto que os pais diziam aos seus filhos que, se alguém tivesse qualquer contato direto com o doente, ficaria na mesma situação, ou então morreria. O portador da moléstia era discriminado, vivia sempre isolado dos amigos e, muitas vezes, da própria família.

Eu tive epilepsia direto, sempre acometido pela doença, só em pensar nela ainda me causa medo.

Uma vez, fui a outra fazenda, Sítio Novo, matar um boi, e tinha que passar por dentro do Rio Pojuca, até chegar à estrada. Na volta para casa eu tive um ataque em cima do cavalo, e tudo que eu levava (espingarda, capa, tudo enfim) caiu na estrada.

O cavalo era treinado, abria até cancela. Esse cavalo me salvou. Atravessou o rio quase nadando, abriu todas as cancelas. Ele tinha um jeito todo especial, fazia aquilo com muita naturalidade, e foi me largar na porta de casa.

Quando cheguei desmaiado, me tiraram de cima dele e me colocaram dentro de casa. Os ataques duravam sempre até o meio-dia. Se ocorresse ao meio-dia, só ficava em estado normal lá pelas 7 ou 8 horas da noite. Bem, logo que meu pai morreu, isto é, no ano seguinte, tive outro problema grave de saúde.

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Entre a Vida e a Morte


Sempre senti uma dor na perna, mesmo assim continuava trabalhando o dia todo, pouco ligava para a dor. Um certo dia a dor se intensificou, com febre, dores nos rins e diarréia. Estava insuportável, o quadro era desesperador.

Ocorre que no povoado não havia médico, só um no lugar chamado Picado. A 12 quilômetros. Era o Dr. Porto quem atendia toda a região e, graças a ele e a Deus, estou vivo.

O médico naquela época não pedia exames, não fazia nada. Dava o diagnóstico e pronto. Aí, Zequinha foi até lá buscá-lo, trouxe-o a cavalo.

Quando ele chegou eram mais ou menos 12 horas, eu estava deitado e ele apertou a minha barriga. Dei um grito desesperador, pois já não suportava tanta dor. O desespero e o medo me atormentavam, estava quase delirando.

O médico não teve dúvidas e disse logo: é apêndice supurado, e precisa ir urgente para a Bahia, agora mesmo, senão ele morre. Naquela época não se dizia Salvador ou ir para a Capital, era mesmo ir para a Bahia. Ai vem a luta para se conseguir um carro. Não havia táxi, veículo nenhum. A viagem de Berimbau-Feira de Santana-Salvador durava de 5 a 6 horas, quando o tráfego estava normal.

Então conseguimos um caminhão que estava carregado de fumo, pois naquela época se mandava muito fumo para Salvador, principalmente de Berimbau. Conseguido esse caminhão, cujo proprietário se chamava Manoel de Lota, eu vim na cabine. Saímos de lá às 3 horas da tarde, e chegamos em Salvador às 11:30 da noite, no bairro da Calçada.

A minha felicidade é que tio Bacildes conhecia o Dr. Manoel Pereira e telefonou para ele no hospital, dizendo que ia um sobrinho seu passando mal, e o médico aqui dissera que era apendicite.

Na Calçada me botaram num táxi e me levaram para o Hospital Espanhol, 2º andar, apt° 23. Ao chegar, me colocaram numa maca e fui direto para a sala de cirurgia. Acho que era meia-noite e meia.

Quando o médico abriu, estava perfurado o intestino, tudo infeccionado, um desastre total. Enfim, a operação foi realizada. No outro dia, meu tio ligou para o médico e perguntou como estava o rapaz. Sua resposta: "Minha parte eu fiz, se São Pedro quiser ele fica, mas se São Pedro não quiser, ele vai".

É curioso notar que, depois desse caso de apendicite nunca mais tive ataque de epilepsia, fiquei curado. Diziam os médicos da época que a epilepsia era curada com choque ou a perda de sangue, e eu perdi bastante. Também tive febre muito alta, depois da operação.

Eles deixaram um dreno, o intestino já tinha voltado a vida, só tinha pus, não havia mais fezes. Depois do 2° ou 3° dia, não drenou mais, parou tudo e veio uma bruta infecção, com febre de 40 graus. Era penicilina e estreptomicina direto no gelo e aplicada de meia em meia hora, não havia comprimidos. É bom lembrar que esse episódio foi no primeiro ano do aparecimento desse milagroso remédio, e graças a ele e a Deus estou vivo.

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Minha Família


Nasci em 25 de dezembro de 1930, na Fazenda Lajes, hoje Monte Alegre, 4 quilômetros depois de Berimbau (Conceição do Jacuípe), povoado que pertencia ao município de Santo Amaro da Purificação. Depois foram criados quatro municípios; saíram da jurisdição de Santo Amaro: Amélia Rodrigues, Teodoro Sampaio, Conceição do Jacuípe e Terra Nova. Vejam só, quatro de uma vez, ficando Santo Amaro bem menor.

Sou filho de Adálio Grillo de Azevedo e Thedolina Moraes de Azevedo, o terceiro dos cinco filhos. O primeiro foi José Maria de Azevedo, mais conhecido como Zequinha, já falecido; a segunda, Maria José de Azevedo, também falecida; depois eu; o quarto, Antônio Moraes de Azevedo; e a quinta, Izabel Moraes de Azevedo.

Estou casado há 40 anos com Francisca Moraes Barbosa (10-03-60), e dessa união nasceram quatro filhos: Emanuela, formada em Secretariado e também em Direito pela Universidade Católica de Salvador, é casada com Celiano José Rocha Alves e tem uma filha, Rafaella.

Sendo ela a primeira filha, é perfeitamente normal que sua formatura se revestisse de um acontecimento deveras marcante.

Sempre lembro a agradável sensação daquele memorável instante, em que ao seu lado, e de braços dados, encaminhavamo-nos a grande mesa do salão do Centro de Convenções, onde autoridades, professores, todos de pé, aguardavam o grande momento da entrega do cobiçado diploma que ela tanto almejava, e que eu sempre sonhei.

As horas que se seguiam aquela solenidade, e, logo após a recepção, em meio aos presentes e amigos, foram, sem sombra de dúvidas, o grande resgate do que sempre quis para todos os filhos, qual seja, o de proporcionar-lhes um curso superior. Esta sensação se justifica mais ainda por eu não ter tido a oportunidade, sequer, de concluir o 4° ano primário.

Estavam ali fincados os alicerces para dar sequência a que todos os outros filhos assim procedessem. Essa vontade indômita me obrigava a exigir deles toda dedicação possível no sentido de nunca se afastarem dos livros.

Eles tinham uma tarefa que deveria ser desempenhada a todo custo, plenamente satisfatória, não apenas para dar segmento a uma trajetória de vida, sempre norteada pela conduta exemplar, pela ética e pela dignidade, mas acima de tudo para satisfazer meu orgulho. E, graças a Deus, tudo vem se desenvolvendo como sempre planejei.

O segundo filho, Emanuel, concluiu seu curso em Administração de Empresas, pela Universidade Católica de Salvador. Nem é preciso dizer do grande júbilo. Foi uma emoção igual ou superior à de Emanuela. Estava vencida a segunda etapa do audacioso projeto que tinha em mente. Ele está casado com Sônia Mascarenhas Alves de Azevedo e tem dois filhos: Henrique e Mauricio.

O terceiro, Eduardo, formou-se em Engenharia Civil pela Universidade Católica de Salvador. É casado com Marta Correio Passos de Azevedo e tem três filhos: David, Lucas e João Neto. Como não poderia deixar de ser, a colação de grau de Eduardo ajustou-se perfeitamente dentro do contexto das minhas atividades profissionais do momento, a área da construção civil, totalmente distanciada das minhas origens de homem do campo, voltada tão somente para a agricultura. Dizer do prazer e da alegria é muito pouco, não sei como o velho coração resistiu a tamanha carga de emoções.

Por fim, o caçula Emílio, com o certificado de Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal de Cruz das Almas. É casado com Andréa Maria Menezes Azevedo. Vocês bem podem imaginar o que seja essa busca incessante rumo a um objetivo desejado, até se tornar realidade. Estava ali registrado o maior legado, a grande herança que poderia deixar para eles, todos com nível universitário, podendo perfeitamente seguirem seus destinos, caminhando com as próprias pernas. Era a satisfação plena, a alegria incontida, o orgulho próprio, o puro sentido de afirmação de um homem que plantou e colheu os seus frutos, os frutos do conhecimento, da compreensão, do amor da concórdia e porque não dizer também do dever cumprido.

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A Estrada de Rodagem da Capital para Feira de Santana

Em 30 de janeiro de 1918, o engenheiro J. Silveira Francisco, Inspetor de Viação do Estado, assinava um memorando assim redigido:

Passo às vossas mãos, para fins convenientes, as instruções que organizei para os estudos e fiscalização da Estrada de Rodagem da Capital a Feira de Santana. Saudações.

O destinatário, engenheiro Joaquim Santos, a quem competia dar parecer sobre o documento, limitou-se, em 4 fevereiro do mesmo ano, a dizer:

Penso que podem ser aprovadas as Instruções, devendo ser rabiscada (sic) a respectiva Portaria.

Instruções Para Estudos e Fiscalização da Estrada de rodagem da Capital a Feira de Santana:

Art. 1º - Os estudos e fiscalização da estrada de rodagem da Capital a Feira de Santana ficam a cargo dos dois engenheiros residentes e dois auxiliares técnicos já em exercício, sob a direção e superintendência do Inspetor da Viação.

Aos engenheiros residentes compete:

1º) Executar todos os serviços de reconhecimento, exploração e locação da estrada, de acordo com as instruções expedidas pelo Inspetor da Viação em 10 de outubro de 1917;

2º) Preceder ao estudo completo das variantes que forem necessárias;

3º) Fiscalizar com assiduidade todos os trabalhos e obras de construção da estrada de acordo com o contrato celebrado com os empreiteiros;

4º) Marcar no terreno as obras d‘arte que tenham de ser construídas pelos empreiteiros;

5º) Remeter ao Inspetor de Viação todos os estudos, cadernetas e perfis da estrada para elaboração do projeto;

6º) Enviar ao Inspetor de Viação todos os estudos e dados necessários para a organização dos projetos de obras d‘arte;

7º) Entregar aos empreiteiros, mediante termo lavrado em livros para este fim destinados, os trechos que devem ser atacados;


8°) Dar ordens de serviço, por escrito, aos empreiteiros, cobrando deles o respectivo recibo. Nessas ordens de serviço serão especificados os trabalhos a executar, devendo ser acompanhadas de croquis quando necessário;

9°) Efetuar mensalmente as medições dos trabalhos executados, classificando-os convenientemente de acordo com as especificações anexas ao contrato. Para essas medições, serão previamente convidados os empreiteiros ou seus representantes por ordem de serviço;

10°) Organizar as folhas de avaliação dos trabalhos executados pelos empreiteiros de acordo com o modelo aprovado, aplicando convenientemente os preços da tabela;

11º) Expedir aos empreiteiros os certificados dos trabalhos executados, remetendo a segunda via dos mesmos certificados ao Inspetor de Viação;

12°) Organizar mensalmente o perfil de progresso;

13°) Remeter ao Inspetor de Viação as folhas de pagamento do pessoal técnico e operário;

14º) Finalmente, cumprir todas as ordens e instruções que forem baixadas pelo Inspetor de Viação.

A antiga estrada BR-28. Feira de Santana-Salvador, hoje BR-324, tinha no seu traçado inicial 144,5 quilômetros e extensão. Com os avanços tecnológicos da engenharia rodoviária, são atualmente, 108 quilômetros.

Euvaldo Freire Carvalho Luz, pioneiro na terraplenagem mecanizada na Bahia, através da sua empresa EULUZ S/A, ganhou a concorrência para a construção de quatro trechos, que foram iniciados no bairro do Retiro, Km-0 da rodovia, indo até bem próximo a Amélia Rodrigues, quando se encontrou com o Engenheiro Vasco Filho, que construía o trecho de Feira de Santana até aquele local, por administração direta do DNER.

Este feito de Euvaldo Luz marcava uma nova página na história do rodoviarismo baiano, com a técnica de terraplenagem mecanizada.

No governo de Antônio Balbino (07.04.55 a 07.04.59) foi inaugurada na Bahia a era da planificação, a partir da criação da Comissão de Planejamento Econômico - CPE, sob a liderança do seu Secretário da Fazenda, Rômulo Almeida. Foi graças ao empenho de Rômulo junto ao governo federal, notadamente no Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER, que conseguiu a delegação para o Departamento de Estradas de Rodagem da Bahia DERBA, para fazer a pavimentação da estrada.

A EMPRESA NACIONAL DE CONSTRUCÃO E PAVIMENTACÃO LTDA – ENACOPAV, do Eng. Almir Bezerra, ganhou a concorrência para a execução dos serviços de pavimentação.

Foi justamente Almir Bezerra que mudou radicalmente minha atividade de homem do campo, uma virada de 180 graus. Ele apareceu em nossa fazenda denominada Laje, hoje Monte Alegre, e ficou entusiasmado com as pedreiras, principalmente pela qualidade das pedras, ideais para a com posição do processo de pavimentação a que se propunha, querendo arrendá-las imediatamente, o que foi feito.

Ele trabalhou pouco tempo, mas desistiu por não obter sucesso. Com o afastamento da ENACOPAV, o trecho foi dividido em dois; um ficou com n a SINTRAL CONSTRUTORA E PAVIMENTADORA LTDA e o outro com a SOCIEDADE DE TRATAMENTOS ASFÁLTICOS RODOVIÁRIOS - STAR. O trecho da SINTRAL ficou estabelecido partindo de Feira de Santana, até o local conhecido como Engenharia, próximo à entrada de São Sebastião do Passé, e o outro, da STAR, desse ponto até Salvador.

Por uma questão técnica e também tática, os serviços se iniciaram partindo de Feira de Santana para Salvador, o que tornaria o processo irreversível, ainda mais por não haver grandes problemas topográficos, o terreno quase todo em tabuleiro, enfim, bem mais fácil sua execução. Ao contrário do lado de Salvador, cujo solo é argiloso (massapê), necessitando pois de um tratamento todo especial e bem mais demorado sua execução. Desse modo, à medida em que a pavimentação avançava em direção à Capital, se iniciavam os mesmos serviços no sentido oposto, ou seja, de Salvador para Feira de Santana. A Rodovia foi inaugurada em setembro de 1959.

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As Pedreiras e o Arrendamento

Bem, quando o empreiteiro Almir Bezerra apareceu na fazenda para arrendar as pedreiras, eu nunca tinha realizado nenhum contrato.

Fui a minha mãe e expliquei todos os detalhes sobre o arrendamento das pedreiras. Ela disse: - Olha meu filho, você, o que fizer está feito, não tem problema nenhum, eu assino tudo se você acha conveniente.

Até meus tios todos se manifestaram contra.
Foi então que decidi.

- Nada disso, Dr. Almir, tá tudo certo - nunca havia feito um contrato na minha vida, como já disse.

Fomos em seguida a Feira de Santana, direto para o escritório de João Marinho Falcão, onde foi elaborado e assinado o contrato de arrendamento das pedreiras, por um prazo de três anos, em cinco frentes de serviço.

Aí eu disse em casa: “as despesas estão aumentando muito em Salvador, e com este contrato já dá, quando nada, para cobrir essas despesas de Antônio e Maria que estudavam lá.

Fizemos o contrato e ele montou todo o equipamento em cinco frentes, com três britadores e dois rebritadores.

Mesmo assim continuei meu ritmo de trabalho na roca e no açougue, porém, sempre observando os serviços em execução nas pedreiras, uma curiosidade irresistível que me dominava.

A noite, quando me deitava, meu pensamento todo era todo direcionado para aquele empreendimento, tudo me atraia na gigantesca movimentação dos britadores.

Esse desejo incontrolável me impulsionava a arranjar tempo para ver como funcionavam aqueles equipamentos, inclusive furos, introdução das dinamites e tudo mais, a ponto de me tornar amigo de um engenheiro alemão, o Dr. Germano, e também de um outro, o Dr. Casemiro, este polonês.

Num determinado dia fui mostrar as pedreiras ao Dr. Casemiro, para que o mesmo providenciasse as instalações dos equipamentos, quando ocorreu um incidente muito desgastante e ao mesmo tempo engraçado.

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Um Fato Marcante

Inúmeros são os casos inesperados que ocorrem durante a construção de uma rodovia. Eles vão desde uma simples dor de barriga em pleno trabalho, até o aparecimento de uma aranha caranguejeira ou uma cobra nos alojamentos. Isto sem falar nos acidentes, muitas das vezes causados pela má qualificação do homem para lidar com determinados equipamentos, ou simplesmente a não obediência às normas de segurança, notadamente quando, às vezes, se lida com pessoas que se opõem sistematicamente a aceitar as normas exigidas pela legislação trabalhista. Mas, em meio a tantos acontecimentos, ocorreu um muito preocupante e por demais engraçado. O engenheiro polonês, Dr. Cassemiro, não conhecia cansanção, o que tinha bastante lá na roça, e o gringo bateu com as pernas e os braços nos galhos da “malvada”, e dali a pouco ele estava parecendo um louco, se coçando todo. Não sabia falar português.

Explicávamos para ele não encostar naquele mato, e cada vez mais ele ficava mais enfurecido com a irritante coceira, quase ficava doido. Não havia meios para socorrê-lo. Quanto mais nos aproximávamos, tentando uma saída para aquela infeliz cilada, mais ele se desesperava. Foi realmente um quadro triste, mas até hilariante.

Já decorridos tantos anos, sempre que me lembro da cena, dou risadas.

Quando faltavam três meses para vencer o contrato, o Dr. Eduardo Santos me chamou em Salvador e disse que o contrato estava para vencer e queria que eu o renovasse por mais seis meses, porque não tinha terminado a estrada e precisava de uma grande quantidade de brita para concluir. Eu disse:

- Dr. Eduardo, eu não renovo mais o contrato, não renovo não.
– Então você fornece o resto da pedra para terminar o trecho?
- Forneço.

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Um Contrato de Risco

Naquela ocasião eu fiz um contrato de risco, pois durante muito tempo vinha observando como funcionava tudo na pedreira, e me considerava por dentro de quase tudo.

Esse contrato foi feito em 03/01/58 e consistia em entregar 250 metros de brita por dia, toda ela quebrada na mão, sem nada de equipamentos, pois os empreiteiros já haviam retirado todos os apetrechos.

Eu trabalhando com uma média de 300, 400 a 500 pessoas por dia. Tudo no martelo, o som era ouvido a mais de 4 quilômetros de distância. Trabalhava de dia e de noite, tomando conta dos serviços, propriamente ditos, e também de todo o pessoal. Só o meu sogro, Emilio Azevedo, é que Ticava no escritório fazendo as anotações.

Era um contrato de risco e tinha de fazer a entrega da brita lá na pista. O transporte também era meu.

Ficou acertado que ele me pagaria 50 contos por semana e o restante no fim do mês. Inicialmente contratei todo pessoal que já trabalhava lá, e muito mais gente.

Era muita mão-de-obra para a época. Trabalhava menino, mulher, velho, todo mundo.

A fim de atender com o mínimo de assistência, todavia para a época era o máximo que se podia fazer por toda aquela gente, fui obrigado pelas circunstâncias a construir um enorme barracão, especialmente para armazenar mantimentos. Comprava em média oito a dez fardos de carne de charque, 40 a 50 sacos de farinha, porque era muita gente para ser alimentada.

Ali mesmo fiz a instalação de uma cozinha, também mesas improvisadas com largas tábuas, bem assim bancos, condicionando desse modo para que todos pudessem fazer suas refeições sentados. Eles mereciam, por demais, um mínimo de apoio na hora do almoço.

Era o que mais podia fazer por eles, a quem considero, pela disposição, pelo vigor, digo, até mesmo pela bravura na luta pela própria sobrevivência. Eram pessoas simples, gente humilde, cumpridora dos seus deveres. Dificilmente traziam problemas de suas casas para o trabalho, e muito menos os criavam ali, salvo raríssimas exceções. Merecem, pois, todo meu respeito e admiração.

Contratei uma pessoa para tomar Conta do armazém durante a noite, enquanto isso mandava brasa direto na pedreira.

Meu irmão, José Maria de Azevedo (Zequinha), tinha um caminhão. Convidei-o a trabalhar comigo: ele aceitou de imediato.

Tentei comprar aqui em Salvador mais um caminhão, mas não consegui avalista, até meus parentes se negaram. Fui então a Feira de Santana falar com Luiz Azevedo, que tinha uma agência da Ford. – Olha, Luiz, você sabe de quem sou filho, quase seu parente, e tenho um contrato com a empresa SINTRAL, e preciso comprar um caminhão para transportar brita. O negócio vai me dar uma boa renda.

Tinha em mãos 200 contos e o caminhão custava 500.

- Eu lhe dou os 200 contos agora, e o resto pago em 12 meses, e não tenho avalista.

Luiz respondeu que estava fechado o negócio. Perguntei quando poderia levar o carro, sua resposta foi imediata:

- agora mesmo.

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Não Sabia Dirigir Direito

Ocorre que eu não sabia dirigir direito. Para conseguir dirigir o carro de Zequinha, só escondido, as vezes, quando ele estava dormindo, ou quando precisava de dinheiro emprestado, e que ele me ensinava ou deixava dirigir. Do contrário, não havia jeito.

Então, nesse dia peguei o carro e vim dirigindo para casa. Eu morava na roça. Foi aí que contratei o motorista Jaime Oliveira.

Dirigir Direito Vejam só que absurdo, e como foi difícil suportar tamanha carga de trabalho. O Jaime trabalhava das 5 da manhã até as 7 da noite, e eu das 7 da noite até as 5 da manhã. Por incrível que pareça, dormia apenas duas horas por dia – das 5 às 6 da manhã e do meio-dia às 13 horas - o resto do tempo era direto na pedreira e com a total responsabilidade de tomar conta daquele pessoal todo.

O pagamento era feito no domingo. Não havia descanso de segunda a segunda, o dia todo era dentro da pedreira dando duro, fazendo as medições, tudo, enfim, para honrar o contrato, que consistia em entregar, nos locais predeterminados pela empreiteira, 250 metros de brita por dia. Ocorre que estava entregando 300 metros, 50 além do estipulado no contrato.

É bom lembrar que tudo isso era feito no martelo, digo, o produto final, a brita. Tudo era feito sob a minha supervisão, não tinha confiança em nenhuma outra pessoa. Para furar a pedra em seu estado natural, era preciso três pessoas, uma segurando a broca e dois batendo. Chegou a ter mais de 10 jogos de furadores.

Quando terminava de furar a pedra, eu mesmo colocava as dinamites, socando bem, para dar uma melhor produção. Era necessário conseguir uma argila muito boa, sem nenhum vestígio de pedra, para não causar qualquer acidente. Só após esses procedimentos é que se fazia a detonação. Feito isso, os quebradores apanhavam os blocos de pedras, quebravam-nos, transportando-os em pedras menores que eram carregadas para uma área preestabelecida, onde ia se transformar em brita n° 3.

No final do contrato, eu já contava com dois caminhões e o Zequinha também com dois. O último carro que comprei, paguei à vista. Paguei um outro, antes de terminar o prazo, e o Luiz Azevedo, da Ford, queria me vender tantos carros quanto eu precisasse. Terminado o contrato com a SINTRAL, surgiu um imprevisto com o Imposto de Renda.

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O Imposto de Renda e o "Sabido"

O Imposto de Renda me deu uma pegada muito boa, porque eu não declarava nada, o Dr. Eduardo Santos ainda bancou o sabidão comigo. Quando eu ia receber duzentos mil ele me dava um recibo de trezentos, isto para cobrir o imposto de Renda dele. Ocorre que ele declarava aquilo tudo, aquele montão de dinheiro.

Quando a Receita viu aquele montão de dinheiro em nome de Theodolina Moraes de Azevedo, pois o contrato era em nome dela, e eu tinha a procuração, me chamaram. Foi uma cacetada violenta. Resultado, o contador Otávio Araújo conhecia um fiscal da Receita que era irmão de Virgildásio Sena.

Foi através dele, me que me conhecia, que conseguimos fazer um acordo e baixar o valor antes estipulado pela receita, e ainda dividir em prestações. Caso contrário, minha mãe poderia perder a fazenda, e meus irmãos também.

Diante disso, assumi todas as responsabilidades, quase voltei à estaca zero. Fui aconselhado pelo contador Otávio Araújo de que era chegado o momento para se fundar uma empresa. Dai, surgiu a J. AZEVEDO IRMĀOS E CIA. LTDA. Enfim, pagamos tudo e continuamos trabalhando como subempreiteiros para diversas firmas. Chegamos a trabalhar uma época com 500 caminhões alugados; 250 com a RODOTEC e 250 com a CUNHA GUEDES, todos os trechos do DNER, de Santa Bárbara a Serrinha, na BR-116, eram da RODOTEC, e tinha outro trecho na BR-101 de Esplanada para o entroncamento de Sergipe, da CUNHA GUEDES.

Alexandre da Cunha Guedes era duro para acertar os negócios. Chorava demais, negociava até conseguir seus interesses, mas justiça lhe seja feita, pagava tudo em dia. Naquela época o Banco funcionava dia de sábado, e recebíamos toda semana.

Eu tinha um Fusca e aquela frente do carro eu enchia toda de dinheiro para ir fazer o pagamento. Pagava todo o pessoal de Alexandre e, depois, com o dinheiro dele, ia pagar o pessoal da RODOTEC. A RODOTEC para pagar era um inferno, dinheiro nas mãos de Edson e Borges era difícil de sair. Sofríamos o "diabo" nas mãos deles. Fizemos também uma subempreitada com a TERRABRÁS.

Conseguimos comprar um britadorzinho, e a pedreira continuou lá. Compramos mais equipamentos e o Zequinha sempre como meu sócio, 50% de cada. Fomos crescendo, sempre produzindo mais. A gente comprava e pagava sempre em dia.

Prosseguimos até que a J. AZEVEDO IRMÁOS LTDA foi obrigada pelas circunstâncias a tomar uma decisão, tendo em vista o contrato social ser pequeno, o que nos impossibilitava de participar diretamente de concorrências de órgãos, tais como o DERBA, DNER, PETROBRAS etc... e, sobretudo, para nos livrarmos das humilhações de certos empreiteiros. Falei com Zequinha que era chegado o momento de se criar uma nova firma, para sairmos do sufoco, e sermos empreiteiros de verdade.

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O Primeiro Trator

Quando comecei a trabalhar no setor rodoviário, me empolgava muito com o desempenho das possantes máquinas, notadamente o trator. Sem conhecer os grandes centros e morando sempre na roca, não tinha a menor idéia de tanto progresso.

Em verdade, Só conhecia como instrumento de trabalho numa estrada a picareta, a pá, a galeota e, às vezes, o carrinho de mão.

Achava deslumbrante aquela força bruta escavando a terra com uma produção extraordinária e, durante muito tempo sonhei em comprar para mim mesmo uma grande quantidade de equipamentos.

 Quando via as firmas para quem eu trabalhava com vários tratores, carros-pipa, patrols, rolos compactadores, caçambas, aquilo me empolgava, e eu dizia para mim mesmo: "algum dia serei dono de muitas máquinas" - era uma vontade incontrolável dentro de mim.

O primeiro trator que eu comprei foi um D-6. Ele foi adquirido através do Banco do Brasil em Santo Amaro da Purificação. Mostrei ao gerente o contrato para execução de um trecho rodoviário, e ele disse não ter nenhum problema.

- Vou lhe financiar o trator - e nem sequer exigiu avalista.

Depois de preencher todos os papéis, formalizando assim as exigências legais para a importação do trator, dei entrada no Banco. Felizmente, a burocracia foi bem aquém do que imaginava, tudo transcorreu em pouco espaço de tempo. O que demorou muito foi a espera, a ansiedade. Cada dia parecia um mês, e muitas vezes sonhava no dia em que seria avisado da chegada do mesmo.

Vocês nem podem imaginar o que era importar um trator D-6 naquela época. Era necessário acreditar muito no seu trabalho, ter bastante coragem e determinação, porque somente os poderosos da época o faziam. Foi uma das maiores alegrias de minha vida quando eu fui ao cais de Salvador, receber aquela extraordinária máquina. Antes mesmo dele começar a produzir, todos os dias, quando levantava da cama, ia direto ao quintal para admirá-lo. Estava tomado por um grande sentimento de orgulho.

O sonho se transformara numa realidade marcante em minha vida, e algo ainda me soprava nos ouvidos, "muito em breve você será dono de muitos outros tratores". Com muita firmeza e perseverança consegui alcançar este objetivo.

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O Desaparecimento de Zequinha

Foi um abalo muito grande na minha vida. As vezes nem gosto de pensar que ele partiu, sinto constantemente sua presença. Permanece em mim a eterna e gratificante lembrança, não apenas do irmão de sangue, mas também do grande amigo e, sobretudo, do companheiro leal e dedicado de todas as horas. Qualquer dúvida que porventura surgisse entre nós, tudo era desfeito num piscar de olhos. Foram muitos anos de concórdia e entendimentos, sempre voltados para a consolidação dos negócios e harmonia da família.

Tudo que fazíamos era previamente combinado, entre ele e eu. Em verdade tivemos vários momentos de aflição, ocasiões em que o mundo parecia desabar sobre nós, eram os casos corriqueiros do próprio serviço.

O vaivém das máquinas, homens se movimentando em Varias direções, às vezes com problemas familiares, maquinas quebrando, as dificuldades em se conseguir de imediato as peças para reposição.

As vezes a chuva intermitente, a produção sem aparecer e o prazo contratual se esgotando, enfim, um emaranhado de problemas em nossa volta. Era justamente nessa hora que reinava o equilíbrio, o bom senso, a união e a força de vontade em vencer com destemor todos os obstáculos. Éramos um só pensamento, foi sempre assim o nosso relacionamento. Quanta saudade!

Mas nem tudo transcorreu num mar-de-rosas entre nós. Houve momentos de estremecimentos que abalaram profundamente nosso relacionamento, tanto no campo pessoal como empresarial. Nem é preciso dizer o quanto me constrangeu e me violentou este episódio. O importante é mantermos a empresa unida e forte, como Zequinha sempre desejou. Hoje o capital da SETEL continua sem alterações, ou seja, 50% meu e os outros 50% com a viúva e os filhos dele. Espero que continue assim, por muitos e muitos anos, com a proteção de Deus

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Decepção com a Política

Algumas pessoas, entre elas Gastão Pedreira e meus tios Deocício e Bacildes, tentaram me botar na política, na condição de candidato à prefeitura de Berimbau. Minha resposta foi taxativa: "Não. Absolutamente, não".

Mesmo que meu pai ressuscitasse e me pedisse para candidato, eu diria que não, de maneira alguma. Todavia, ajudaria qualquer um outro que eles indicassem. Ai apresentaram um advogado, Manoel Francisco, e eu dei uma grande ajuda e em troca ele me deu muita decepção. Sendo eles devedores de muitos favores, procurei-os para me dar voto, e me negaram e exigiram muito mais coisas.

No dia da eleição, o próprio candidato negou, dai meu desengano total da política, mesmo assim, ainda colaborava e trabalhava. Mas. a maior decepção que tive com ele, foi quando Zé Azevedo - quem levou Zé Azevedo para o DERBA foi Manoel Novais, e que ajudava muito a ele, prometendo inclusive ajudá-lo na política dando votos – no último discurso de Manoel Francisco, nem sequer tocou no nome de Manoel Novais.

José Azevedo, embora recebendo toda ajuda, inclusive financeira, não tratou do assunto. Logo após o comício, Manoel Francisco passando pela rua, e eu interpelei: - Olha, Manoel Francisco, o Zé Azevedo ficou muito chateado, porque você não falou no nome do candidato a Deputado Federal, justamente ele que está financiando e ajudando. Você falou no nome de todo mundo e nem sequer pediu um voto para ele.

Aí ele suspendeu os braços com toda estupidez e bateu com aliança no teto do meu fusca, ficando a marca da mesma bem visível, dizendo ainda que não estava ali para ser coagido.

- Não é coação, nós não precisamos coagir de maneira nenhuma, estou apenas fazendo um alerta para você, que errou em não ter falado do nosso candidato.

Foi aí que eu tomei mais nojo da política, tendo uma verdadeira alergia. Tanto é que no dia da eleição, saio de casa para dar uma volta em Berimbau, vou direto à praia. Só voltando na última hora para votar.

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Ascensão Empresarial

Galgar todos os degraus dessa vertiginosa e desgastante luta, rumo a dirigente de uma ou mais empresas, e uma tarefa por demais exaustiva, que exige do gestor mil e um requisitos, que vão desde seus próprios conhecimentos, experiências, e também espírito de liderança.

Não adianta dispor de capital, se não tem um plano de ação meticulosamente elaborado e respaldado de todo complexo que envolve a estrutura de qualquer empresa, desde a seleção de pessoal, muitos especializados e outros a serem enquadrados dentro das atribuições que o negócio exige.

É fator decisivo para o sucesso de qualquer empreendimento, tomar como base esses procedimentos.

Para mim, foram realmente difíceis os primeiros passos, logo quando saí da roça, ao enfrentar os desafios que tinha pela frente, num ambiente adverso e hostil.

Quantas vezes, na calada da noite, completamente exausto, estive ameaçado de parar o que já havia iniciado ou então retornar às origens, mesmo porque não dispunha de nenhum capital, tudo o que possuía era uma enorme força de vontade, coragem e determinação.

A grande resistência física, mesmo tendo enfrentado sérios problemas de saúde, me condicionou a um conceito que eu mesmo formalizei: "sou um homem de coragem".

Foi assim quando dei o primeiro passo com o arrendamento das pedreiras da fazenda Monte Alegre. Fiz um contrato de risco com a SINTRAL - CONSTRUTORA E EMPREEN. DIMENTOS LTDA. em 03 de janeiro de 1950, que Consistia em fornecer 10.000 m3 de brita num prazo de seis meses. Como não dispunha de britador, tudo foi feito na mão grande. Cheguei a contratar até 500 pessoas/dia e, durante todo esse tempo, jamais deixei de cumprir rigorosamente tudo o que estava estabelecido no contrato, um triunfo total.

Visivelmente contagiado pelo vírus da confiança e da alegria, sorria de tudo que aparecia à minha frente. Pulsava dentro de mim um desejo incontrolável de nunca mais parar. O destino me impulsionava em busca de novos horizontes.

Pois é, essa primeira aventura, carimbada pelo sucesso, me fez acreditar que poderia dar seqüência a novas conquistas.

Acreditando piamente na minha capacidade de trabalho, convidei meu irmão Zequinha e fundamos uma sociedade - JOSE AZEVEDO & IRMÄOS LTDA, em 20 de setembro de 1960 - que consistia na exploração do ramo de transportes em geral, pedreira e o que convier aos sócios, com um capital de Cr$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros).

O desenvolvimento de J. Azevedo foi se consolidando a cada ano, e novos contratos apareciam direta ou indiretamente, através de subempreitadas. Esse período perdurou por oito anos.

SETEL - Serviços de Terraplenagem e Empreendimentos Ltda

Exatamente em 03 de julho de 1968, com a orientação do engenheiro José Azevedo, fundamos a SETEL, com um capital de Cr$ 4.000.000,00 (quatro milhões de cruzeiros).

Entraram na sociedade José Maria de Azevedo, Manoel do Nascimento de Azevedo, Pedro Marçal de Castro e o Eng. Flaviano da Silva Guimarães como responsável técnico, ficando estabelecido um percentual de 33% para os tres primeiros e 1% para o último.

Não obstante a empresa dispor de engenheiros, auxiliar de engenheiros, mestre de obras e outros técnicos, tudo caia nas minhas costas. Tomava conta de tudo no campo e o Zequinha ficava com a parte do escritório. Continuamos trabalhando com J. AZEVEDO e a SETEL.

Observando que os negócios estavam crescendo e dando certo, necessitando pois de uma tomada de posição, objetivando tornar a empresa mais forte, e conseqüentemente mais competitiva. Convidei Pedro Marçal de Castro a investir mais na SETEL, com o propósito de aumentar o capital da empresa. Ele recusou, não aceitou de maneira nenhuma.

Partimos para uma nova investida, comprar a parte dele. Sem muita conversa ele admitiu de imediato. Feita a transação, juntamos o capital dele e incorporamos à SETEL.

Com a SETEL funcionando a todo vapor, fomos tangidos pelas contingências a ampliar nosso raio de ação.

Pedreiras Lage Ltda.

No dia 21 de junho de 1976 criamos a sociedade PEDREIRAS LAGE LTDA, tendo como objetivo a exploração, extração, prospecção, transformação, beneficiamento e comércio de pedra bruta. Matação, brita e bem assim outras quaisquer atividades relacionadas ao setor industrial e comercial a que se dedica, inclusive fabricação de manilhas e afins.

A Pedreira Lage está localizada a 4 quilômetros do centro de Conceição de Jacuípe, e é uma das maiores e bem estruturadas da Bahia.

Mas, não ficamos por ai. A vontade de crescer e acompanhar o surto de desenvolvimento que a Bahia estava passando levou-nos a investir no setor Agropecuário.

Setel Agropecuária Ltda.

Neste mesmo ano, em 28 de outubro de 1976, fundamos a sociedade SETEL AGROPECUARIA LTDA, com um capital social de Cr$ 4.000.000,00 (quatro milhões de cruzeiros), dividido em 4.000.000 (quatro milhões) de cotas do valor nominal de Cr$ 1,00 (um cruzeiro) cada uma, com seguinte distribuição: a) o sócio JOSÉ MARIA DE AZEVEDO subscreve 7.000.000 cotas no valor de Crs 700.000,00 (setecentos mil cruzeiros): b) o sócio MANOEL NASCIMENTO DE AZEVEDO subscreve 700.000 cotas no valor de Crs 700.000 (setecentos mil cruzeiros); c) o sócio SETEL - SERVICOS LDE TERRAPLANAGEM E EMPREENDIMENTOSs LTDA subscreve 2.600.000 cotas no valor de Cr$ 2.600.000, 00 (dois milhões de Cruzeiros ); tendo a sociedade como propósito a exploração da pecuária e agricultura em geral, indústria e comércio, importação e exportação de produtos agropecuários e todas as atividades correlatas aos objetivos enunciados.

SETEL Construtora e Incorporadora Ltda.

Ampliando nossas atividades, criamos em 17 de agosto de 1980 a SETEL - Construtora e Incorporadora Ltda, com um capital social de dez milhões de cruzeiros, tendo como objetivo a construção civil em geral, incorporações imobiliárias, compra e venda de imóveis, empreitadas de construção junto a órgãos públicos, inclusive BNH e tudo mais pertinente ao ramo da construção civil.

Nesta atividade, já construímos três edifícios em bairros nobres da cidade. Dois no Caminho das Arvores: Ed. Emanuela e Ed. Tatiana Azevedo. No Costa Azul, o Ed. Belmonte.

Como se vê, é uma luta constante e indefinida, mas, por incrível que pareça, hoje, com meus 70 anos, sinto-me encorajado a novos desafios, mesmo notando que os espelhos mostram claramente acentuadas rugas, e os cabelos mais grisalhos. Só que os espelhos têm um limite, eles refletem com clareza absoluta a imagem, todavia não conseguem penetrar no âmago do coração, que irriga sangue por todas as veias, fornecendo energia a um cérebro com mente sadia e jovem, plenamente capaz de começar tudo novamente.

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Minha Grande Vitória

Minha grande vitória na vida foi sair da roça para me tornar empreiteiro. É evidente que, para se chegar até esse ponto, foi um longo caminho, pontilhado de erros e acertos, de derrotas e vitórias.
Foi muito significante para mim o dia 20 de setembro de 1960, quando criamos a sociedade JOSÉ AZEVEDO & IRMÃOS LTDA. Eu e meu irmão Zequinha.

Essa pequena empresa nos dava condições de participar de concorrências de obras, diretamente com órgãos públicos ou privados, sem a constante interferência das grandes empresas, quando trabalhávamos para elas na condição de subempreiteiro, reduzindo bastante nossos lucros.

Era um sufoco tremendo trabalhar toda uma obra, de segunda a segunda, e no final não ver um resultado financeiro satisfatório.

A medida em que conseguíamos uma nova obra, era para mim uma realização, um novo desafio.

Gostava imensamente do que fazia. Tinha amor por tudo aquilo, passando muitas vezes dia e noite dentro da obra, e tinha orgulho de nunca amargar qualquer prejuízo com nenhum dos nossos contratos, tudo isso era mais do que gratificante.

Em verdade, só pegávamos uma obra com muita segurança, e também os nossos custos eram bem reduzidos.

Quando ganhávamos dinheiro numa obra, jamais gastávamos à toa, isto é: em viagens, passeios, apartamentos de luxo, etc., pois aquele dinheiro não era meu, nem de Zequinha, mas da empresa.

Eu pergunto, por que gastar todo o lucro e voltar ao que era antes? Seria um fracasso total.

Nosso ideal era sempre o mesmo, aplicar o lucro, evitando desse modo ter que apelar para empréstimos bancários, essa escorcha corrói mais do que ferrugem.

Ir a banco tomar empréstimos é para ser liquidado, cavar sua própria sepultura. Só utilizei empréstimo do FINAME, diretamente de bancos, nunca.

Quando uma obra precisava de mais capital, a gente partia para o FINAME. Meu grande orgulho, e também vaidade, era pagar tudo em dia - comerciantes, fornecedores, acima de tudo os funcionários, o dinheiro sempre estava disponível. Para mim, isto é uma grande vitória.

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Reflexão e Dúvida

O jornalista e fotógrafo Valter Lessa, meu amigo, de tanto insistir, acabou vencendo minha resistência para o feitio deste relato.

Sua determinação era de tal ordem, que cheguei ao ponto de considerá-lo inconveniente, em certas ocasiões.

Todavia, seus argumentos, e por que não dizer, o poder de persuasão, falaram mais alto e davam às vezes um tom mágico de ternura, também pelo seu carisma de fazer amigos.

Não conheço um só inimigo de Lessa. Talvez tenha sido por aí o seu convencimento e a minha aceitação.

Refletindo bem, ainda tenho dúvidas se agi certo ou errado.

Essa incerteza tem sua justificativa porque, em toda minha vida nada fiz de excepcional, tudo que realizei ou deixei de realizar transcorreu dentro dos padrões normais de todo cidadão, e em qualquer sociedade, notadamente no meu caso, um modesto homem da roca.

É evidente que sempre sonhei atravessar os caminhos tortuosos do campo, passar pelas estradas e chegar ao asfalto das grandes metrópoles.

Vontade essa, acredito, seja a mesma de todos os homens que buscam no trabalho a perspectiva de alcançar o conforto e o prazer que as grandes cidades oferecem, tais como: o banho de chuveiro elétrico, a geladeira, a TV, o cinema, 0 teatro, etc.

Achava deslumbrante a iluminação de neon na fachada das casas comerciais, ou os anúncios do sabonete EUCALOL, de MELHORAL (que é melhor e não faz mal) e da BAYER, (se é BAYER é bom), a movimentação dos carros, o vaivém das pessoas, sua maneira de vestir, tudo me fascinava.

Mas, em nenhum momento, e até hoje, graças a Deus, em nada mudou o meu modo de ser, ou a minha personalidade e conduta que permanecem virgens, como quando aqui cheguei.

Os encontros sociais, que eu desconhecia, mesclados de conversas fúteis, às vezes falsas, e, posteriormente, as reuniões empresariais, pouco ou quase nada me influenciaram ou mudaram meu modo de ser.

Já decorridos tantos anos, não consigo me desligar um só instante das minhas origens, não obstante todo o conforto que a cidade oferece.

Se alguma coisa parece ter mudado, é apenas na aparência, porque no íntimo do coração, tudo permaneceu igual ao que era.

Compreendo ser este um momento de muita reflexão, com a constante dúvida se estou fazendo a coisa certa falo sobre este modesto trabalho.

Lembro, por exemplo, o episódio do Imposto de Renda, que quase arruinou minha vida, me deixando na estaca Zero. Tive que recomeçar tudo novamente.

Naqueles momentos de aflição, tinha sempre em mente a lembrança do grande compositor Paulo Vanzolini, na sua belíssima letra "Volta Por Cima", em que dizia: "Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima".

Foi justamente o que fiz. Com coragem e determinação, segui em frente, não tive tempo sequer de olhar para trás.

Mas, volto a questionar se valeu a pena este relato sobre a minha vida em que o amigo Valter Lessa transformou em livro.

Será que não esqueci algum fato marcante, alguma lembrança da infância, se é que se pode chamar o que passei naquele período, de infância?

No decorrer da adolescência o que não deixou de ser dito, também, o mesmo com as atividades profissionais?

Realmente estas dúvidas me preocupam.

O que dirão os meus filhos, os parentes e os amigos a quem dedico este livro?

Pensarão eles que estou sendo tomado pela vaidade, ou acreditarão nos meus propósitos, nos meus sentimentos, que foram tão somente deixar registrada a história de um homem, entre tantos outros, assim, como eu, que trabalham, lutam, se esforçam, se sacrificam em benefício dos filhos, do bem-estar das pessoas, sem preconceitos de cor, religião, política, seitas, cultos, poder, posições sociais em busca de um só ideal, qual seja, de uma sociedade com uma melhor distribuição de rendas, mais humana e mais justa.

O calor que me envolve nesta hora é de muito jubilo. Sinto pulsar dentro de mim, nestes 70 anos, uma sensação de felicidade, de prazer pleno, e lembro também o saudoso compositor Nélson Cavaquinho, que, com muita inspiração (0 que, aliás, não lhe faltava), dizia: "Tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com minha dor". Só que, o meu caso, ocorre inteiramente o contrário: “Tire a Sua dor do caminho, que eu quero passar com o meu sorriso”.

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MEU PAI:

Sempre que vejo uma criança sendo acalentada no colo de uma mãe, ou os pássaros alimentando seus filhotes nos ninhos, o braço paterno e protetor sobre o ombro de um filho pequeno, o aperto de mão e o abraço sincero entre pais e filhos, eu me fixo na imagem segura e marcante do meu pai, que jamais vacilou em tomar decisões, e quando fez, foi com absoluta convicção.

Ele tem sido, em todas as ocasiões, mesmo naquelas mais adversas, guardião fiel de todos os sentimentos de ternura, bondade, lealdade, honestidade e amor.

Você é um exemplo a ser seguido. Te adoro, meu pai.

EMANUELA.


PAPAI,

Pela amizade que o senhor me vota, por meus defeitos que o senhor nota...
Por meus valores que o senhor aprecia, por minha fé que o senhor alimenta...
Por esta paz que nós nos transmitimos, por este pão de amor que repartimos...
Pelo silêncio que diz quase tudo, por este olhar que me reprova mudo..
Pela pureza dos seus sentimentos, pela presença em todos os momentos...
Por ser presente, mesmo quando ausente.. Por ser feliz quando me vê contente..
Por este olhar que diz: Pai, vá em frente:
Por ficar triste, quando estou tristonho...
Por rir comigo, quando estou risonho.
Por repreender-me, quando estou errado...
Por meu segredo, sempre bem guardado...
Por me apontar pra Deus a todo instante,
por esse amor fraterno tão constante.
Por isso e muito mais eu digo:
Deus te abençoe, meu querido pai!!!

EMANUEL


Meu Pai,

Grande é a história de sua vida, desde quando o senhor nasceu e se criou na fazenda, mas sentiu que aquela vida não era o seu destino.
Com muita coragem e trabalho aventurou-se em ramos desconhecidos, onde conquistou riqueza, segurança e felicidade.
Sei que tenho dentro de mim muita de suas virtudes e defeitos, mas espero dar continuidade em tudo que o senhor construiu, com suor, trabalho e honestidade.

EDUARDO.


Meu Pai,

O que sinto por você, além da afeição do pai, é algo bem mais do que a força do amor, o estremecer das paixões; é na verdade uma obsessão desmedida que me envolve de Corpo e alma.

O seu vigor, tenacidade, raça, força de vontade, temperamento às vezes ríspido, outros meigos, determinação ao enfrentar os problemas, por mais impossíveis que sejam, refletem a marca da sua personalidade, não lhe importando as condições do tempo, se faz sol ou chove, se é dia ou noite, é sempre o mesmo, ereto e firme como o jacarandá.

Você é o demolidor implacável dos obstáculos difíceis, um autêntico puro- sangue do caráter e da dignidade, simboliza muito bem o homem forte nordestino, a semelhança do "Juazeiro" das nossas caatingas, que quanto mais seco está o tempo, mais verde fica.

EMÍLIO.


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